Acho que a base fundamental de todo escritor é a procrastinação. Talvez seja a de todos os seres humanos criativos, mas como sou escritor (e um pouco solipsista por natureza) eu tenho a tendência de ver as coisas mais pelo meu ponto de vista. Então sim, como um representante oficial do clube não tão privado dos escritores, posso dizer com confiança que procrastinar faz parte das nossas configurações de fábrica. Não tem escrita melhor do que aquela que está por vir, a que permanece confinada no futuro da possibilidade em vez de no presente da responsabilidade.
Essa Newsletter é um exemplo claro disso. Faz algumas semanas que me lembrei dela, da ausência das palavras por aqui, ainda que, como romancista, as palavras estejam caindo sobre outras páginas como as cataratas do Niágara. E o motivo, claro, é a tão famosa procrastinação. Não necessariamente por não ter escrito, esse nunca foi tanto o meu problema. Escrevo, escrevo com frequência, escrevo bastante até. Tenho mais de 20 rascunhos de ensaios aqui no Substack, alguns deles bastante desenvolvidos e uns poucos praticamente prontos para serem publicados. Mas infelizmente eu também sofro com uma outra doença, uma seríssima, uma que, acompanhada da procrastinação, pode ser praticamente fatal, principalmente para mentes criativas. Estou falando, é claro, do cancerígeno perfeccionismo, que vez ou outra, mais do que eu gostaria, toma as rédeas da minha vida criativa e me impede de colocar no mundo algumas coisas que eu gostaria.
Não é como se as coisas que eu escrevo fossem perfeitas. Talvez a pior parte de falar de perfeccionismo e se incluir neste agrupamento seja a expectativa criada por outras pessoas, como se a confissão servisse justamente como um carimbo de que tudo lançado de agora em diante precisa ser, bem, perfeito. Era isso que eu pensava, pelo menos. Que começar a falar de vulnerabilidades do processo criativo serviria de munição para ser criticado por outras pessoas, por leitores e por qualquer um que não ressoe muito com as minhas criações. Felizmente, fica mais claro a cada dia que o grande medo de um perfeccionista, pelo menos um como eu que não está na verdade em busca da perfeição mas sim à procura da tradução ideal da realidade, reside na expectativa criada pela minha própria pessoa e não na dos outros.
Não tenho 22 textos em rascunho por receio do que os outros vão pensar — ainda que, em certo momento, logo depois do lançamento físico de 24 Horas de Amor, fosse exatamente este o meu maior terror, uma ultra-exposição à opinião alheia que me deixava paralisado. Tenho porque sou o maior crítico da minha própria pessoa, da minha escrita e até mesmo dos meus pensamentos.
Por isso, neste ano, logo que finalizei oficialmente o meu novo livro — só demorei 5 anos —, me comprometi com uma ideia boba e simples e bonita de gravar um podcast, um que me ajudasse a sair das garras do meu próprio perfeccionismo e também da minha ambição potencialmente infinita. Gravar por gravar. Gravar para conseguir, eventualmente, terminar algo. Gravar para conseguir jogar no mundo ideias que eu acredito serem importantes, mesmo sem refiná-las por completo. Esse era o plano.
E deu certo.
Se você não sabe, o podcast realmente saiu e hoje, bem hoje, chegou ao fim. É um projeto que chamei de CoCriadores e que me deu muita sustância criativa durante os últimos meses. A ideia era falar de criatividade com pessoas que admiro e me conectar de forma mais íntima com cada um desses convidados. Era também parte do plano criar alguma coisa em conjunto com cada criador que topou participar. Não um livro, um roteiro ou qualquer coisa assim. Mas justamente o próprio podcast, a conversa, uma ponte comunicativa que outras pessoas poderiam cruzar, participar e, no fim das contas, usar como incentivo para também criar. Por isso o nome CoCriadores: uma união entre o apresentador, o convidado e o ouvinte.
Fui sem grandes pretensões, com a minha antena perfeccionista completamente desligada, e fico feliz de ver que o resultado foi lindo.
Criar alguma coisa só por criar, principalmente depois que entramos em um mercado criativo, é uma tarefa difícil. Como escritor, eu trabalho com métricas e números e estou quase o tempo inteiro em busca de mais e mais e mais. Se tem uma coisa que eu descobri é que neste meio (e acredito que em qualquer outro também) o sucesso é insaciável.
Então fico feliz por ver que esse podcast serviu como um intervalo criativo, uma oportunidade de fazer por fazer, e fico ainda mais contente por ver que ressoou com algumas pessoas. Encontrei um garoto na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, agora em junho, e foi lindo ouvir dele que conheceu meu trabalho a partir do podcast e que agora escuta todos os episódios semanalmente, sem falta.
Às vezes, a gente só precisa fazer isso mesmo. Largar mão do perfeito, arregaçar as mangas e fazer algo por fazer, lembrar-se da criança interior, aquela que não se importaria nem um pouco com os resultados, só com os processos, e respeitar sua vontade de voltar a brincar. Eu voltei. Voltei a brincar e sou muito grato à Giulia, minha companheira, por incentivar esse projeto, por gravar comigo o último episódio e por me lembrar, constantemente, que a nossa tarefa na vida adulta não é matar a nossa versão passada, mas abraçá-la. Sou também grato a todos os amigos que toparam participar do CoCriadores. Criei memórias lindas graças a vocês. Obrigado pela disponibilidade e pela vulnerabilidade em falar dos seus processos criativos. E, claro, sou grato por todo mundo que escutou algum dos episódios. Obrigado pela companhia e por dedicarem parte do seu tempo comigo — tempo, é tudo sobre tempo, esse recurso que nos parece infinito, mas não é, essa coisa, a única, a única mesmo, que não é recuperável, então obrigado, obrigado de verdade.
Ainda não sei se teremos uma segunda temporada, mas acho que sim. Não gosto de fazer promessas que não poderei cumprir e a verdade é que a vida adulta já é cheia dessas. Cada vez mais estou me envolvendo em outros projetos que vão além da minha escrita. Comecei a dirigir um audiolivro recentemente e acho que me apaixonei, então quem sabe o que vem pela frente. Mas quero muito voltar com o CoCriadores.
Por ora, algumas recomendações pessoais minhas:
Música: The National Forest – King of the Enchantments. Descobri essa banda de um só homem por mero acaso e foi como ouvir alguma coisa que eu já conhecia — no melhor dos sentidos, quando a gente sente familiaridade mesmo com algo estranho e novo.
Cinema: Todo Tempo que Temos. Giu me levou pra ver esse filme no final do ano passado — isso evidencia bem há quanto tempo não apareço nessa Newsletter — e, coitada, quase ficou preocupada comigo. Chorei como um bebê e isso não é a coisa mais comum do mundo. Já se passaram uns bons meses desde que assisti, mas, quando me lembro, acho que é a coisa mais legal que assisti nesse último ano inteiro (junto com Rivais — o trailer não é nem de longe tão interessante quanto o filme).
Literatura: Sandro Veronesi. Descobri os livros dele no ano passado, por acaso, na Bienal de SP enquanto eu esperava por uma editora que, eu imaginava, poderia ter interesse no meu novo romance. Felizmente, ela não teve e agradeço aos céus por isso já que o livro não estava pronto (mesmo que eu não soubesse disso na época). Mas saí de lá com um livro dele, O Colibri, um romance que me transformou por inteiro. Lembro até hoje da sensação que tive, uma corrente elétrica que percorreu o meu corpo, uma chuva de inspiração tão forte que eu, quase de imediato, comecei a transbordar nas páginas e, aos poucos, consegui dar forma ao meu novo livro, que em breve estará nas mãos de vocês. Sandro Veronesi me mudou como pessoa, essa é a verdade. Nunca mais serei o mesmo e sinto que toda boa literatura faz isso com a gente. O Colibri acabou por ser um sucesso de público, mas gosto ainda mais de A Força do Passado (disponível apenas em sebos) e de Setembro Negro, publicado recentemente pela Autêntica Contemporânea. Para os mais corajosos em fluxos de consciência, XY é também uma ótima pedida.
Meus livros: Estive na Bienal do RJ mês passado para o lançamento de um conto que me dá muito orgulho. Chama-se No Quintal do Tempo, faz parte de um projeto de Plaquetes da Mapa Lab, e acho que é uma ótima prévia daquilo que estou tentando explorar nas minhas próximas histórias, ainda que eu prefira formatos mais compridos. Recomendo para todo mundo a coleção inteira de Plaquetes. Além de mim, 9 autoras também lançaram contos e todos os que li (ainda estou um pouco atrasado) são incríveis. As histórias estarão disponíveis no site da Mapa Lab muito em breve.
Entrevista: Participei algumas semanas atrás do podcast Central 900 e foi uma conversa muito legal. É incrível falar de Literatura, sempre fico honrado de poder fazer isso, e nesse caso foi ainda mais legal porque o podcast é da faculdade em que formei e onde trabalhei por mais de três anos. Então deixo a indicação desse papo que foi especial pra mim por diferentes razões.
Meu podcast: Se você não sabia do CoCriadores e se interessou, essa pode ser a oportunidade perfeita para ir escutar ou assistir. São 9 episódios ao todo (deveriam ser 10, mas a minha agenda ficou apertada por causa do novo audiolivro), cada um com um convidado diferente, mas sempre falando de criatividade, processos, arte, espiritualidade e sobre o que significa ser humano, principalmente um que quer viver de maneira mais criativa.
Como é bom ler o que vc escreve, estava com saudades da news!
Parabéns pelo projeto CoCriadores, tive a honra de ouvir todos, aprendi um pouco mais como funciona o mercado criativo!